Incorporação imobiliária: Guia completo para a gestão de empreendimentos
20 de março de 2024
Incorporação imobiliária: Guia completo para a gestão de empreendimentos
A incorporação imobiliária é uma das atividades mais importantes da economia brasileira, sendo um dos motores de crescimento do setor da construção civil. O Produto Interno Bruto (PIB) das atividades imobiliárias no Brasil cresceu 3% em 2023, apresentando um desempenho mais arrojado do que o da própria construção, que inclui outros subsetores.
Esse crescimento é impulsionado por diversos fatores, que incluem desde políticas públicas de incentivo à habitação, passando por um cenário de redução de taxas de juros e maior acesso ao crédito imobiliário, além das constantes mudanças no perfil da sociedade e – consequentemente – na demanda por espaços residenciais e comerciais.
Além disso, a incorporação imobiliária é capaz de transformar bairros inteiros de uma cidade. Ao trazer e fomentar a criação de empresas, comércio e serviços públicos e privados, os empreendimentos transformam a qualidade de vida da população.
Neste artigo, você vai entender melhor o que é a incorporação imobiliária, como ela se diferencia e se relaciona com a construção civil, conhecerá os principais pontos da Lei de Incorporação Imobiliária que norteia o setor e terá uma visão geral das principais etapas do ciclo imobiliário. Vamos lá?
O que é incorporação imobiliária?
A incorporação imobiliária é uma atividade em que um empreendedor – que pode ser uma Pessoa Física ou Jurídica – compra um terreno e desenvolve um projeto de construção de unidades habitacionais ou comerciais no local para, posteriormente, vendê-las. É, portanto, um negócio, uma atividade econômica que envolve investimentos, riscos e pressupõe a obtenção de lucros.
O agente responsável pelo empreendimento é chamado de incorporador ou incorporadora, e pode ser um indivíduo ou uma empresa. Quem incorpora fica responsável por conceber o produto imobiliário, reunir os profissionais e os recursos necessários para sua realização e assumir a responsabilidade pelo desenvolvimento do empreendimento.
Trata-se de um processo de gestão complexo, que demanda decisões estratégicas, conhecimento dos mercados financeiro e imobiliário, além de forte capacidade de planejamento e acompanhamento das atividades de construção e comercialização.
Em outras palavras, a incorporadora é a empresa que dá vida ao empreendimento, coordenando todas as partes envolvidas para transformar uma ideia em realidade, assumindo os riscos e as responsabilidades associadas ao processo de incorporação imobiliária.
Qual a diferença entre uma incorporadora e uma construtora
É importante entender que, tecnicamente, incorporação e construção são conceitos e atividades diferentes, embora muitas pessoas usem os termos de forma intercambiável, como se fossem sinônimos. Como veremos adiante, essa confusão é natural, devido às características do nosso mercado imobiliário.
Mas antes, vamos às definições:
- Incorporadora: Como já vimos, uma incorporadora começa a atuar muito antes da construção. Ela visualiza um produto imobiliário, identifica oportunidades, estuda as demandas do consumidor, faz estudos de viabilidade, adquire terrenos e, só depois de ter um projeto de produto consistente, dá início à realização do empreendimento.
- Construtora: Note que, até agora, não falamos em obras e atividades afins, certo? Pois bem, quando as definições de produto estão prontas, entra em cena a empresa construtora. Com base nos requisitos técnicos de produto da incorporadora, ela coordena e executa as atividades de construção civil, efetivamente, incluindo planejamento e controle de obras, elaboração do orçamento, implantação do canteiro de obras, execução das etapas de construção – fundações, estruturas, alvenarias, instalações etc. –, contratação de mão de obra e equipamentos e gestão de prazos e custos.
Mas por que tantas pessoas misturam os termos e chamam as empresas incorporadoras de construtoras e vice-versa? A rigor, uma incorporadora pode contratar uma outra empresa, a construtora, para executar a obra de um empreendimento que realiza. Isso é muito comum, por exemplo, no segmento corporativo.
No entanto, muitas empresas incorporadoras obtêm vantagens econômicas e sinergia ao verticalizar suas atividades incluindo também as atividades de construção em sua estrutura empresarial. São as empresas incorporadoras e construtoras. Elas são muito comuns no segmento habitacional, de venda direta ao consumidor, que muitas vezes entende os termos como semelhantes – o que é perfeitamente compreensível.
Lei de Incorporação Imobiliária
A Lei de Incorporação Imobiliária proporciona um ambiente juridicamente mais seguro tanto para clientes, quanto para incorporadoras no Brasil.
O texto base original é a Lei nº 4.591/1964, que dispõe sobre o condomínio em edificações e as incorporações imobiliárias, mas seu conteúdo vem sendo atualizado por diversas leis posteriores, como a Lei nº 10.931/2004 , que introduziu o conceito de patrimônio de afetação, e a Lei nº 13.786/2018, que regulamentou os distratos imobiliários.
Veja alguns pontos-chave da Lei de Incorporação Imobiliária atualmente em vigor:
- Direitos e deveres do incorporador: O incorporador tem o direito de desistir da incorporação durante o prazo de carência, exigir o cumprimento financeiro dos adquirentes e reter valores ou unidades em caso de inadimplência. Contudo, deve registrar o Memorial de Incorporação, garantir transparência sobre o projeto e o terreno, entregar a obra no prazo e conforme o projeto, além de instituir e entregar o condomínio.
- Direitos e deveres do comprador: Os adquirentes, por outro lado, têm direito a informações completas da obra e a formar uma Comissão de Representantes, com deveres que incluem cumprir o contrato e o cronograma financeiro, além de todos os direitos de leis complementares de defesa do consumidor.
- Patrimônio de afetação: Sob este regime, o terreno e as construções do projeto de incorporação, bem como os recursos financeiros destinados a ele, são segregados do restante do patrimônio do incorporador. Isso significa que tanto os ativos quanto os passivos relacionados ao empreendimento são tratados de forma independente, não se misturando com os demais negócios da incorporadora.
- Distrato imobiliário: Regulamentado pela Lei nº 13.786/2018, a legislação estabeleceu regras mais claras para proteger o setor da construção civil contra desistências que pudessem comprometer o financiamento dos empreendimentos, com multas de 50% do valor pago em casos de imóveis com patrimônio de afetação e 25% para outros regimes. Além disso, permite um atraso de até 180 dias pela incorporadora sem penalidades. Essas regulamentações contribuíram para a redução dos distratos, impactando positivamente o mercado ao diminuir custos legais e litígios.
Incorporação imobiliária: passo a passo
Como já vimos brevemente, a incorporação imobiliária é uma atividade complexa, que demanda uma gestão multidisciplinar para maximizar o retorno sobre o investimento imobiliário.
A avaliação de cenário pode envolver equipes de inteligência de mercado compostas por economistas, advogados, engenheiros, arquitetos e profissionais de marketing e vendas para construir uma análise 360º para concepção de produto e tomada de decisão final sobre a realização ou não do projeto.
Com tantos atores envolvidos e etapas a serem seguidas para executar o empreendimento com segurança – física e financeira –, é de se esperar que o ciclo de incorporação seja longo.
Mais longo, inclusive, que o próprio ciclo de construção, já que a etapa de pré-obra se inicia bem antes da instalação do primeiro tapume. Veja a seguir as principais fases deste ciclo.
1. Prospecção e aquisição de terrenos
A prospecção é a primeira etapa do ciclo de um empreendimento imobiliário. Envolve um estudo aprofundado do mercado, com identificação de demandas e oportunidades, análise de tendências demográficas, econômicas e do comportamento do consumidor.
Certos bairros podem ter demanda por projetos com arquitetura autoral contemporânea; outros, por imóveis grandes para famílias de alta renda; ou pode haver um crescimento de apartamentos de 2 dormitórios próximo a uma nova linha de metrô, por exemplo.
Nesse estudo, levantam-se, também, quais elementos são mais valorizados pelos clientes, como piscinas, academias, garagem, coworking etc.
Essas informações norteiam a compra de terrenos para a construção futura. Esses bancos de terrenos são como estoques de matéria-prima das incorporadoras.
2. Estudos de massa e viabilidade
Após a compra dos terrenos, o estudo de massa e o estudo de viabilidade avaliam a capacidade de um projeto ser economicamente sustentável.
Gestores fazem diversas simulações para balancear o porte do empreendimento, os custos de desenvolvimento, o preço de mercado potencial das unidades, as despesas legais e fiscais, além de considerar as margens de lucro.
Um dos elementos mais importantes a serem analisados é a Taxa Interna de Retorno (TIR), que determina se a lucratividade do projeto supera a de outros investimentos mais seguros, como em investimentos de renda fixa.
Projetos inovadores e em novos mercados tendem a ser mais desafiadores, por falta de parâmetros históricos de custos e produtividade que permitam criar modelos financeiros confiáveis.
3. Desenvolvimento do produto
No desenvolvimento do produto imobiliário, as demandas identificadas nos estudos de mercado preliminares são materializadas, com auxílio de um arquiteto, em um primeiro projeto visual.
Aqui, são definidos os tipos de acabamento, as características da fachada, as áreas comuns e os elementos diferenciais do condomínio. É o embrião do material que será apresentado ao potencial consumidor em propagandas e nos materiais de apoio dos vendedores.
4. Alvarás e licenciamentos
A obtenção de licenciamentos e alvarás é uma preocupação do início ao fim do processo de incorporação imobiliária. A primeira autorização a ser obtida, junto à prefeitura, é o Alvará de construção, documento que permite o início das obras.
Para obtê-lo, é necessário apresentar o projeto legal aprovado pelos órgãos competentes, juntamente com estudos de impacto ambiental e urbanístico, quando aplicável.
Dependendo do empreendimento, a regularização também pode exigir a obtenção de licenciamentos ambientais, do corpo de bombeiros, entre outros.
5. Projetos
Embora a incorporadora não gerencie diretamente o desenvolvimento técnico dos projetos executivos da obra – que, como vimos, é função da construtora –, ela é principal parte interessada e, portanto, tem o papel de aprovar as soluções técnicas propostas pelos arquitetos e engenheiros estruturais, de instalações, de fachadas etc.
Além disso, ao longo da execução da obra, o acompanhamento dos trabalhos da construtora é muito próximo, para evitar que ocorram estouros de prazos e orçamentos que comprometam a viabilidade econômica do projeto.
6. Legalização
Antes do início da obra, ainda é necessário fazer o registro de incorporação, um documento que assegura a conformidade do projeto com as normas técnicas e leis municipais.
Para obtê-lo, é preciso levantar certidões negativas de débito junto ao Poder Público, levantar os alvarás e licenças de construção e preparar um memorial de incorporação com detalhes dos aspectos da infraestrutura do apartamento e do empreendimento, como materiais de construção e áreas comuns.
O registro, obtido pela incorporadora no Cartório de Registros de Imóveis, é obrigatório para a comercialização das unidades de acordo com a Lei de Incorporação Imobiliária. Sem esse registro, a venda de unidades não tem validade.
7. Marketing e vendas
Essa talvez seja a parte mais conhecida do público, mas que é precedida de um longo planejamento conhecido como estratégia de lançamento.
Ela inclui a identificação dos diferenciais do empreendimento, a elaboração de materiais publicitários, criação de sites com técnicas de SEO, fotos e vídeos para captação de leads, o investimento em anúncios, a construção de um stand de vendas atraente e a elaboração de um evento de lançamento para apresentar, in loco, o novo projeto aos potenciais clientes.
Depois do lançamento, começa a atuação das equipes de vendas, com um intenso processo de prospecção de clientes levantados pelas ações de marketing.
O ideal é fechar o máximo de vendas nas primeiras semanas – inclusive oferecendo vantagens aos compradores – para que os recursos financeiros ingressem o quanto antes e contribuam para financiar a etapa de construção.
8. Relacionamento com o cliente
O pós-venda é uma fase importantíssima na relação entre cliente e construtora, não apenas para atender às obrigações legais e contratuais da incorporadora, como também para proporcionar satisfação ao comprador que acabou de fazer um importante investimento imobiliário.
Aqui, entra em cena uma área dedicada ao pós-venda, com amplo suporte comercial, técnico e jurídico ao comprador, informando-o sobre o andamento da obra, resolvendo questões burocráticas e prestando uma assistência técnica adequada após a entrega do imóvel.
O sucesso nessa etapa é essencial para a sustentabilidade dos negócios da incorporadora a longo prazo, uma vez que é mais fácil vender novamente ao mesmo cliente no futuro, ou para que ele recomende os seus projetos para outras pessoas conhecidas.
Gestão de incorporadoras
Você viu que o processo de incorporação é complexo e passa por inúmeras etapas em um longo ciclo. Dos estudos de viabilidade ao fim do período de garantia, ele pode durar anos ou décadas, a depender do porte do projeto.
Além disso, sabemos que uma incorporadora não realiza um empreendimento por vez, mas tem um portfólio com diversos projetos simultâneos, em etapas diferentes, que demandam uma administração muito organizada.
É nesse ponto que muitas incorporadoras enfrentam desafios em seus processos internos.
Muitas empresas sentem falta de um acompanhamento sistemático do andamento das obras, com uma visualização clara e detalhada das tarefas e seus respectivos prazos e custos.
O uso de múltiplas ferramentas para gestão de múltiplas equipes também acaba sendo um empecilho, tanto para atualização rápida dos resultados para a gestão da empresa, quanto para a alocação de recursos e equipes entre os projetos.
Assim, o investimento constante em treinamento de equipes e em otimização de processos internos, bem como em ferramentas digitais que integrem todas essas informações, torna-se obrigatório para incorporadoras que buscam maximizar o retorno financeiro sobre seus empreendimentos imobiliários e se manter competitivas em um mercado com tantos concorrentes.
Conclusão
De acordo com o art. 28 da Lei nº 4591/1964, a incorporação imobiliária é “a atividade exercida com o intuito de promover e realizar a construção, para alienação total ou parcial, de edificações ou conjunto de edificações compostas de unidades autônomas”.
Em sua “Cartilha de Incorporação Imobiliária”, o Creci-SC (Conselho Regional de Corretores de Imóveis 11ª Região Santa Catarina) lembra que “a incorporação não é a construção em si, mas a gestão do empreendimento a ser construído e a comercialização das unidades autônomas”. Por isso, como vimos, há uma pequena diferença entre as empresas construtoras e incorporadoras – que, no entanto, muitas vezes podem exercer as duas atividades.
O ciclo de incorporação é longo e pode durar muitos anos, da prospecção do terreno ao fim do período de garantia do imóvel, por isso, demanda uma administração profissional e altamente qualificada, apoiada por processos e ferramentas que facilitem a gestão de múltiplos projetos realizados simultaneamente.
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Diretora Executiva e Co-Fundadora da Prevision, plataforma líder de Planejamento Lean de obras. Engenheira Civil formada pela UFSC, especialista em gestão de negócios ...
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